AS INIBIÇÕES ARQUITETÔNICAS E O SABER FAZER BOBARDIANO
- ana paula lepori

- 3 abr 2021
- 4 Min. de lectura
Todos nós temos ‘inibições arquitetônicas’. Lina Bo Bardi fala delas, num de seus escritos. Elas habitam no vasto universo arquitetônico, juntamente com as preferências estéticas, as inquietações filosóficas, as especulações a respeito dos materiais, o conhecimento das técnicas... Enfim, dado o caráter humanista da arquitetura, ao seu redor, convivem
temas de origens distintas. O arquiteto é o filtro, que através da sua reflexão e de seu contínuo exercício projetual, vai digerindo todo o volume de informação que orbita no universo arquitetônico, analisando/sintetizando um sem fim de questões, sejam de caráter mais técnico, procurando a materialização do seu projeto arquitetônico, sejam mais
existenciais, inerentes ao espírito do homem. O arquiteto é um filtro da realidade que o circunda, filtro do seu tempo histórico.
Através da observação da produção arquitetônica, nos aproximamos do processo de aprendizagem interpretativo do arquiteto, e ao seu vasto universo pessoal de idéias e questionamentos. Como filtro das questões em evidência do seu tempo, olhando através da sua obra, podemos descobrir, seu posicionamento com relação ao mundo que lhe rodeia
e sobre as questões arquitetônicas que lhe envolvem, sobre o grau de personificação de sua obra, e sobre o grau de compromisso com os movimentos artísticos de sua época.
Tanto a obra edificada de Lina Bo Bardi, como seus escritos, mostram o perfil de um arquiteto comprometido com as reflexões de seu tempo. Através de sua obra, Lina evidencia uma série de posicionamentos, reflexionados ao longo da vida sobre a arquitetura, a cultura, o patrimônio, o desenho dos objetos, a função do arquiteto na sociedade; tudo expressado em uma maneira humanista de compreender a profissão.
Lina Bo Bardi, era antes de tudo, uma mulher na vanguarda artística de seu tempo. Viveu intensamente o movimento moderno e foi amadurecendo com ele. Jamais deixou de reflexionar sobre os princípios que a arquitetura moderna propunha. Discutiu o desenvolvimento do movimento moderno, desde seus princípios, onde não cabiam as motivações arquitetônicas que não fossem racionalmente necessárias. Reflexionou sobre a vulgarização dos princípios modernos e a crise de identidade do movimento. Lina foi filtrando e expressando estes acontecimentos, nos seus projetos arquitetônicos, e nos escritos publicados em diferentes jornais e revistas. Lina Bo Bardi, mais além da arquitetura, fixa seu olhar na cultura entendida como a forma de manifestação mais profunda, portanto mais verdadeira, dos desejos e necessidades humanas. Defendia a cultura que os eruditos
menosprezavam e escreviam em letras minúsculas, a que se manifesta cotidianamente no seio de uma sociedade, onde através de manifestações sutis expressam sua particular forma de compreender e de relacionar com o mundo que lhes rodeia. Esta forma de entender a cultura, assume matizes mais contundentes, quando em meados dos anos 50, Lina Bo
Bardi vai a Salvador e entra em contato com a cultura popular que lá encontra. A forma direta, simples, criativa e profundamente funcional de construir casas e objetos que encontrou por todo o sertão nordestino, definitivamente lhe aproxima a um fazer
arquitetônico comprometido em atender as necessidades mais existenciais do homem.
Paralelamente, Lina Bo Bardi também reflexionou sobre o patrimônio, o papel que desempenha na construção da cultura e a maneira eticamente correta de interpretá-la na arquitetura. Lina, através dos seus escritos, como através dos museus, exposições, edificações e revitalizações deixou patente sua compreensão do passado como Presente Histórico, entrelaçando com a compreensão da cultura, construída no cotidiano, materializada através das manifestações populares, e que a arquitetura deve interpretar de forma eticamente comprometida.
Sua preocupação pelo exercício ético da profissão, sempre se materializou na sua arquitetura, e levou Lina Bo Bardi, a escrever constantemente sobre o papel que o arquiteto deve desempenhar na sociedade, no poderoso filtro que é das questões inerentes ao tempo histórico em que vive. Com a capacidade de registro que a arquitetura possui e que
o arquiteto exerce, Lina evoca a necessidade de una leitura ética da cultura, e defende aos arquitetos que assim trabalham. Desmitifica o poder criador vaidoso, caprichoso, arbitrário que envolve a arquitetura e situa o arquiteto, como um operário da materialização da cultura manifesta de um povo.
O povo deu a Lina, a compreensão exata, da dimensão do homem diante do mundo que o rodeia. Dimensão esta, que Lina viu refletida, em como o homem, inclusive em situações adversas, dignamente constrói o objeto útil e necessário e dota de uma simplicidade plasticamente bela, sem excessos, sem retóricas, mas que ao mesmo tempo tão carregados de significados.
O evento ’50 anos de Lina Bo Bardi na encruzilhada da Bahia e do Nordeste’ reúne amigos, companheiros, estudiosos e contemporâneos e sugere, através de diferentes meios, uma viagem pelo seu pensamento. Entretanto, existem mil formas de percorrer suas inquietudes, de associar suas reflexões.
Convidamos a cada qual buscar o caminho que mais lhe seduza e provar pessoalmente a concepção “bobardiana” do tempo que aqui transcrevemos: ‘O tempo linear é uma
invenção do Ocidente, o tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado, donde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções, sem princípio nem fim’.
**texto que escrevei para a abertura dos anais do evento "50 anos de Lina Bo Bardi na encruzilhada da Bahia e do Nordeste" que ocorreu entre 2 e 5 de dezembro de 2009 na FAU-UFBA
*eu, Ana Carolina Bierrenbach e Eduardo Rossetti estudamos, nos reunimos, inventamos, nos divertimos e recebemos os estudiosos e amantes do fazer bobardiano nesta celebração.
**projeto gráfico: ana paula lepori


























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